A função social da escola

 

O homem novo, aquele que se desenha nesse início de século XXI, enfrenta desafios que se mostram extraordinários – principalmente em países periféricos, quais sejam aqueles em que as condições estruturais agravam as questões metafísicas.

Dentre os problemas mais graves, dois se destacam no Brasil, principalmente por serem intercambiáveis: a violência urbana e a educação. Necessitamos então de alguns “olhares” que tornem possível a compreensão de sua natureza.

Primeiro olhar: ausência de ética, considerada como “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade[i]”. Decerto, ainda que haja um flagrante aumento de religiosidade no país, com frequentes manifestações e assunções diversas, a progressão constante da violência, em todos os seus matizes, provoca desânimo e sensação de impotência.

Essa aeticidade se dá, entre outros fatores, por um recrudescimento de uma classe política distante da sociedade organizada – em que aparentemente a mudança da capital parece ter tido papel importante – com recorrentes escândalos de desvio de finalidade dos três poderes, em que a corrupção ganha destaque.

Além disso, uma mal compreendida liberalidade nas relações familiares provocou uma perda do princípio de autoridade, levando a um progressivo surgimento de gerações cada vez menos comprometidas com valores familiares, derivando para um descomprometimento geral com os valores da sociedade.

Um pouco além, a sociedade de inovação tecnológica provoca uma sensação constante de dejà vu, como se nada fosse anormal ou impossível. Isso leva, principalmente os jovens, a uma impressão de potencialidade máxima e, no limite, a certa irresponsabilidade: já que tudo é possível, todas as falhas podem ser, a bel-prazer, consertadas.

Segundo olhar: ausência de esperança.

Se a sociedade de inovação tecnológica, para além da sensação de dejà vu, consegue levar o homem a uma situação de progresso que atinge mesmo as classes menos favorecidas – e a expansão do uso de telefonia móvel é disso bom exemplo –, nem por isso foge à regra que estabelece que se todo mal traz algum bem embutido, todo bem traz também em seu bojo algumas mazelas.

As mazelas da sociedade tecnológica são visíveis e não poucas; a principal, porém, é a evaporação das vagas de trabalho (descontando-se aí as novas que surgem, mas trazem a exigência de qualificação que foge ao padrão dos países ainda atrasados, como o nosso).

Com a inevitável formação de um enorme exército de desempregados (ou subempregados), a conta tende a ser paga por aqueles que estão na base da formação de mão-de-obra, qual seja a dos jovens de classes menos favorecidas que, sem qualificação e sem experiência, terminam por se submeter à informalidade ou, no extremo, ao crime – organizado ou não.

Isso leva a um terceiro olhar: o da criminalidade crescente.

Mais preocupante até do que a sensação de aumento dos níveis de violência – note-se que os números oficiais indicam redução gradativa – é o fato de que a criminalidade se apresenta com forte indicativo etário: são os jovens, em sua maioria, que estão compondo essa parcela marginal da sociedade.

Dentre os jovens, e descomprometidos com a sociedade pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os adolescentes têm formado outra mão-de-obra, base do crime organizado, e têm recheado as estatísticas da violência urbana. Afinal, difundiu-se o dogma de que aquele sujeito é praticamente inimputável, passível – mesmo nos casos mais extremos – de medidas socioeducativas que não correspondem à dimensão dos delitos que cometem.

Daí que a sociedade esteja amiúde acuada; e as famílias, reféns da ausência de ética que regula as relações sociais, estejam sem esperança. O reflexo é a violência, que se torna a ordem do dia: em uma sociedade de espertos, vence aquele que ousar mais, movimentar-se antes e usar toda malícia possível.

Chegamos então a um ponto fundamental: o da importância da função social da escola, tema desse artigo.

Não obstante a necessidade de políticas públicas de fortalecimento da família, com a possível formação de grupos de discussão das práticas cotidianas desse microcosmo, a escola comparece como um elemento essencial na formação plena do indivíduo.

Supomos que a escola do século 21 não pressupõe apenas o papel de espaço de ensino-aprendizagem; antes, está carregada de uma simbólica representatividade: é ali que o ser ganha dimensão, construindo sua personalidade, dotada ou não de plenitude.

É na escola que a criança se depara não apenas com rudimentos do saber, construindo competências e habilidades, mas antes adquire consciência de si mesmo, estabelecendo normas de participação na sociedade e de sua relação com o outro.

E por mais que esta seja uma figura que perde relevância (fundamentalmente por sua filiação a velhas práticas de uma escola ultrapassada), o professor ainda exerce uma influência que precisa ser devidamente dimensionada.

O professor, núcleo vivo e essencial da escola, serve de modelo e inspiração a meninos e meninas, e tão mais profundamente quão seja a menor idade de seus alunos.

Daí que a escola não possa prescindir de métodos de escolha e avaliação para composição de seus quadros.

O mau professor, qual seja aquele que literalmente enrola em suas aulas, acumula faltas, age rotineiramente de modo grosseiro e não demonstra apreço pelo que faz, indica ao seu discípulo que essa é uma prática aceitável.

Por isso, pretendemos que a escola do século 21 tenha em sua composição docente elementos que passem por rigorosas pré-avaliações, aquando de seu concurso para o magistério, e sejam constantemente avaliados em suas práticas.

A escola, como no poema de Alejandro T. Gomes, não pode perder de vista que é “honra do homem proteger o que cresce”; e a humanidade somente chegará a níveis bons de civilização quando souber criar as condições necessárias para constituição de sujeitos realmente plenos, dotados de ética, de esperança e sem qualquer liberalidade quanto à violência.

O professor, elemento-chave nesse processo, deve ter em vista que seu papel é determinante, que sua função social (que se confunde com a escola) é a de maior, inquestionavelmente maior, importância para a sociedade.

No momento em que a escola, organismo vivo dotado de um sentimento comum, e o professor, condutor de suas práticas, assumirem a grandiosidade de seu papel na construção de uma sociedade mais fraterna, justa, comprometida com a ética e repleta de bons valores morais e religiosos, teremos um tempo novo, com o homem do século 21 realmente se fazendo presente em nosso país.


[i] Cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.